Todos levam Deus como uma entidade séria, concentrado em suas atividades divinas e em ajudar as pessoas, sempre com a mão no queixo, analisando atentamente a tudo. Mas a verdade é que Deus tem muito, mas muito senso de humor. E não falo nem dos ornitorrincos, tampouco de Brasília, que já seriam provas contundentes. A verdade é que as traquinagens divinas começaram desde a criação do mundo, aliás, desde a negociação dos prazos:
– Quanto tempo?
– Hum… Dá para fazer em sete dias.
– Sete?!?! Você está maluco? Vocês são todos iguais. Para não perder trabalho, fazem tudo apertado.
– Eu fiz Marte em quatro.
– Deus, Marte não tem ninguém, não tem água… É uma bola vermelha!
– …
– O que foi?
– Nada…
– O que que? Ok, desculpe. Não quis diminuir seu trabalho.
– Duas luas… Duas luas!! Você sabe o trabalho que dá para fazer duas luas para aquele tamanho de planeta?
– Ok… Desculpe. Não foi por mal.
– Faço em seis e ainda descanso no último dia pra você!
– Ok… ok… Não vamos discutir isso. Meu assistente virá aqui para ver como ficou.
Deus tem um problema sério. Esse negócio de ser onisciente e onipresente o deixa com orgulho. Se fala que vai conseguir, vai lá e consegue. Mas esses dons também o ajudaram a aprontar das suas. Assim como todos, Deus também tem os seus momentos de lazer. É claro que, tendo que estar sempre atento aos nossos pedidos, ele também aproveita e descontrai brincando um pouco conosco. Anedotas sociais causadas pelo Poderoso, para distraí-lo após um lanche, nos seus momentos de folga. Deus tem, em seu quarto, um tipo de vudu terráquio. Uma espécie de tabuleiro de War, mas muito mais incrementado. Ele o abre, escolhe um lugar, e começa com as suas peripécias. Ou você acha que há explicação para aquele congestionamento incrível, em que você fica parado horas e, como por um “milagre”, tudo se abre a sua frente? Ou quando começa a chover assim que você vira o quarteirão, saindo de casa, e só para quando chega ao seu destino? Ou quando dá um fora, por exemplo, é coincidência? Pense bem! Você sempre pensa “Por que não fiquei quieto?”, ou “Por que perguntei justo isso?”, e, o mais intrigante, “Como pode? Encontrar essa pessoa justo aqui?”. É… É justamente isso que você está pensando…
– Olá! Tudo bem?
“Não. Não está tudo bem. Não faço ideia de quem você é”
– Tudo sim… É…
– Gisele! Nossa! Não se lembra de mim?
– Ah… claro! Gisele… Gi… Claro que sim. É que estou sem óculos. Não reconheço nem a mim quando me olho no espelho sem eles. Quanto tempo! A última vez que a vi foi na casa do Marcos. E vamos nos encontrar justo aqui, que coisa…
– Na verdade nos vimos na festa que você deu na sua casa, há um mês. Esse dia na casa do Marcos faz meses já.
“Sério. Você me reconheceu para ficar quebrando as minhas pernas? É isso?”
– É verdade. É que aquele dia, tava muito… né? Mas e o que anda fazendo da vida? Ainda trabalhando com pesquisas e matando ratinhos?
“Isso, brinca com a profissão dela, assim você vai controlar a situação!”
– Não mais. Fui despedida. Minha pesquisa foi um fracasso total.
“Muito bem. Muito bem. Mais uma na cara”
-Hum… Mas, mudando de assunto, você é uma possessiva hein, senhorita Gisele!
– Eu? Por quê?
– O Marcos foi em casa sábado e disse que tinha que sair correndo para buscar a namorada para ir ao bar. Se ele atrasar você briga com ele é?
– Marcos e eu não estamos mais juntos. Ele me trocou pela ex.
Nessas horas você pensa “claro. Senão ele falaria ‘Gisele’ e não ‘minha namorada’. Por que não pensei nisso?”’. Posso imaginar daqui as risadinhas do além…
– Nossa… Como as coisas mudam em tão pouco tempo!
“Até um minuto atrás, por exemplo, eu ainda queria viver, já agora…”
– Eu o vi sábado também. Eu estava no bar que ele foi com aquela lá…
– Ah, que bom que vocês estão amigos então.
– Amiga? Daquele canalha?!?! Nem pensar. Eu fui lá para flagrar ele com a ex. Ele jurava que não saía mais com ela.
“Por Deus (mesmo!). Não vou dar uma dentro hoje?”
– Nossa… Mas, a essa hora da noite, e a gente se encontra no metrô, não?
– É. Está tarde mesmo. Liguei para a minha mãe e ela disse que vai até para o portão já esperar a redonda. Preciso chegar rápido em casa.
– Mas o que é isso, Gi. Eu acho que você está ótima. Assim, claro que as mulheres sempre querem emagrecer… Mas não deixe sua mãe te chamar assim não… Redonda… Onde já se viu?
“Boa! Elogie uma mulher que você se dá sempre bem”
– O QUÊ?!?! Estou falando que minha mãe foi esperar a pizza chegar, porque está tarde, ela já até fez o pedido antes de eu chegar!!
Depois disso, chega a sua estação. Você se despede e pensa “por que eu? Por que agora?”
Nesse momento, alguém ri com a mão na barriga em frente ao seu tabuleiro.
…
– Deus?
– Sim
– Com licença. Vim ver o pedido. O chefe já está chegando. Está tudo pronto?
– Sim. Aqui está.
– Mas e essas partes sem pintar?
– O QUÊ?!? Como não vi isso? Meu Eu! Meu Eu!… Não posso dar o braço a torcer para ele. Para ele não… Tenho uma ideia…
– O que você vai fazer?
– Me passa a tinta verde. Pronto! Alimentos verdes. Perfeito! Me passa o pote de sabor.
– Acabou!
– COMO?!?!
– Sim, está vazio.
– Droga! Droga! Já sei… Vou deixar isso sem sabor. E vou tirar o saudável de algum lugar…
– O quê?
– Daqui! Churrasco, Feijoada e Porções de bares… Sem saúde! Feito.
– Mas Deus…
– Pense. Uns sem sabor, outros sem o saudável… É justo.
– Não vai dar certo…
– Não há mais tempo… Estou com passagem comprada. Amanhã eu viajo. Ele não vai notar, se você não contar… E…
– Não contar o quê? Atrapalho alguma coisa?
– Chefe?!?! Que rápido!
– Jamais! Não atrapalha em nada… Entre!
– O que vocês não podem me contar?
– Do brinde que eu ia dar… Mas você estragou a surpresa… Mas tudo bem. Aqui está o mundo… E aqui está o seu brinde…
– Hum… Muito bom. Bom trabalho. Mas… O que é esse brinde?
– Se chama Enxofre. Fiz a mais para você. Se ferver e passar isso todos os dias, no banho, seu aroma atrairá mulheres.
– Atrairá?
– Todas elas!
– Verdade?
– Claro… Afinal, eu que inventei! Leve junto com a encomenda. É por conta da casa.
É… E ele acreditou… Deus é um fanfarrão…